entrevista

'Faltam vagas, mas também falta tratamento penal', diz juiz que assumiu Vara de Execuções Criminais em Santa Maria

Camila Gonçalves

Foto: Charles Guerra (Arquivo Diário)
Juiz Leandro Sassi passou a cuidar das penas aplicadas a 1,9 mil homens e mulheres da região

O juiz Leandro Sassi assumiu, no dia 22 de outubro, a Vara de Execuções Criminais (VEC) Regional, com sede em Santa Maria. O magistrado deixou a 4ª Vara Criminal e reassumiu uma área na qual já atuou quando foi titular da 3ª Vara Criminal de Rio Grande, que trata das execuções criminais. Em entrevista ao Diário, o magistrado, que divide a atividade jurisdicional com a arte de compor sambas-enredo, comemora a nova missão. A jurisdição cuida das penas de mais de 1,9 mil homens e mulheres que cumprem prisão em Santa Maria, Agudo, São Sepé, Júlio de Castilhos, Cacequi, Jaguari, São Vicente do Sul e Caçapava do Sul. A unidade também é responsável por fiscalizar as casas prisionais. Confira a entrevista:

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Diário de Santa Maria - Como o senhor recebeu a notícia de que assumiria a VEC Regional?

Leandro Sassi - É uma área que me identifico bastante. Fiquei quatro anos na 3ª Vara Criminal de Rio Grande, que acumulava com a VEC, como era aqui em Santa Maria até então. A gente fez vários projetos exitosos em Rio Grande, conseguiu abrir muitas vagas de trabalho para apenados, para egressos, que eu acho que é o que realmente falta no sistema carcerário. Faltam vagas, a gente sabe, mas também falta tratamento penal. Você coloca o indivíduo lá dentro, vindo de uma determinada realidade, o deixa preso, sobrevivendo dentro da casa prisional, e, depois, solta sem ter tratado. Então, a possibilidade de a pessoa voltar é quase 100%. É necessário um trabalho nele, mas também um trabalho social na família dele. É bem difícil, mas acho que cada grãozinho de areia que a gente coloca, a gente está fazendo alguma coisa.

Diário - Quantos apenados ficarão sob a responsabilidade da VEC Regional?

Sassi - Pelo mapa de 24 de outubro, 1.943 presos, sendo que há 1,8 mil vagas. Nosso déficit de vagas não é muito alto ainda. O que tem problemas é o Presídio de Agudo, que está com o dobro da capacidade, praticamente. O Presídio de São Sepé está perto disso. Os outros estão mais ou menos dentro da capacidade. Mas, Jaguari, por exemplo, está com vagas acima da capacidade, tem 12 vagas sobrando. Nesse número, estão, inclusive os monitorados (com tornozeleira eletrônica).

Diário - Quais as suas prioridades na VEC Regional?

Sassi - Uma coisa que vi na primeira semana é que não existia um critério objetivo de quem vai para o monitoramento por tornozeleira. Outra coisa que me preocupou é que não temos uma casa prisional específica para mulheres. O Presídio Regional, onde elas ficam, é projetado para homens, e a gente colocou as mulheres lá dentro, inclusive, fora do que determina a legislação. A última vez que fui lá, elas tinham o pátio delas dividido por uma tela de arame com o pátio dos homens, então, é uma coisa surreal de se pensar. Outra questão é que o nosso Instituto Penal abriga os presos dos regimes aberto e semiaberto. A nossa legislação determina que eles têm que cumprir a pena em institutos diferentes, e, ali, eles ficam absolutamente misturados, no mesmo alojamento. O preso do semiaberto é aquele que tem emprego específico. Já o do regime aberto tem direito de sair, independentemente de estar beneficiado ou não com o serviço externo. Que vantagem a sociedade tem quando o preso pode andar pela cidade toda, volta ao presídio de noite e não está monitorado em nenhum momento? É mais útil que essa pessoa vá para a rua monitorada durante todo esse tempo e que, ao recolher-se, recolha-se na sua casa.

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Diário - E como solucionar esse problema?

Sassi - Não havendo nenhuma falta grave, não havendo nenhum procedimento administrativo que possa diminuir o mérito de receber o monitoramento por tornozeleira, liberamos ou vamos liberar os homens e as mulheres do regime aberto. A gente pode até pensar, no futuro, em esvaziar o Instituto Penal e colocar as mulheres lá, deixar o Presídio Regional só com homens do semiaberto e os apenados do regime aberto com monitoramento por tornozeleira. Se isso vai acontecer, vai depender de uma costura com Defensoria Pública, Ministério Público, e das decisões que podem vir do Tribunal de Justiça.

Diário - Para viabilizar essas mudanças, teríamos que ter mais tornozeleiras?

Sassi - Não é um número muito claro. Nós temos uma possibilidade de ter 250 tornozeleiras. Até o dia 24 de outubro, a gente tinha 192 pessoas com tornozeleiras, e restavam 58 vagas ainda.

Diário - Já foi possível observar algum efeito na situação dos apenados?

Sassi - O que melhorou, de início, é a questão da possibilidade de fazer transferência de uma casa prisional para outra sem ter que solicitar autorização do juízo da comarca. Também será possível estabelecer critérios objetivos para benefícios em todas essas casas prisionais. Com a Vara Regional, a regra que a gente vai aplicar para deferir uma saída temporária, uma progressão de regime, é a mesma para todos. Além disso, o apenado pode entrar com o pedido para ficar mais perto da família. Quanto mais a gente reforçar esses laços familiares, maior o índice de sucesso desse cidadão não vir a reincidir no crime.

Diário - Neste ano, mais de 300 celulares foram lançados para dentro das casas prisionais em Santa Maria. O que fazer para diminuir a entrada de telefones nos presídios?

Sassi - Vamos conversar com a Secretaria de Segurança Pública para fazer a cobertura dos pátios das penitenciárias e reforço da segurança no perímetro. Claro que tem que ter uma área ao ar livre para eles, mas cobrir os locais mais suscetíveis e possíveis de haver esse tipo de invasão é uma saída. Essa questão de telefone celular dentro de casa prisional é algo muito complexo. Na maioria das vezes, os presos usam celular para falar com a família. Sou absolutamente a favor de colocar telefones públicos nas casas prisionais com monitoramento das conversas. Isso iria reduzir muito o número de celulares lá dentro. O ideal seria que a União colocasse dentro dos contratos em que concede a licença de serviços às operadoras de telefonia celular, que são concessões de serviço público, a missão de colocarem bloqueadores nas casas prisionais. Se a gente depositar esse custo no Estado, a gente não vai ter dinheiro. Por que não repassar esse custo para a atividade privada?

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Diário - E o controle das drogas nos presídios?

Sassi - Se um celular entra fácil, que é um instrumento maior, imagina uma pedra de crack. Isso, talvez, seja a coisa mais contraproducente que pode haver em uma casa prisional. Em Rio Grande, a gente fez um pavilhão separado, tínhamos verba para reformar uma área para presos que queriam se tratar. A gente o tirava da galeria e colocava em outro lugar que era absolutamente diferente, tinha outras regras, inclusive de visitação. Isso é outra coisa que tem que ser mudada em termos de cumprimento de pena e de sistema prisional no país. Hoje, não é incomum você chegar numa casa prisional e ver o cara morrendo de frio, de cueca, porque ele vendeu toda a roupa dele por droga. E a visita dele (pessoa que vai visitá-lo), ele acaba vendendo, para que traga alguma coisa, preste favores sexuais, etc. A dependência do crack é uma coisa devastadora. A gente começou com o caos, no meu ponto de vista, na segurança pública com a chegada do crack.

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